À semelhança da maioria dos pequenos
agrupamentos populacionais do interior da Amazônia, a Comunidade Quilombola São
Luis de Tambai-Açu, foi constituída ao longo do tempo sem qualquer registro
histórico. Um referencial importante é a moradora Cecilia Neves Lima , de 78
anos de idade, filha do fundador da Comunidade o senhor Luis Euzébio de Soluza,
mãe de 05 filhos, lúcida e com suas
informações corroboradas pelos demais moradores da comunidade ela informa que:
Seu pai o senhor Luis Eusébio de Souza
foi quem fundou a comunidade, informa ainda que ao chegarem ao território se
depararam com um lugar abundante em caça, pesca, solo propício para o
desenvolvimento de uma agricultura de subsistência, lugar de difícil acesso
o que garantiu a paz e a liberdade para
viverem segundo suas crenças e tradições. (Relato Histórico,
Econômico, Social e Cultural do Quilombo de Tambai-Açu, 2003, p.2).
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FIGURA 1 –
IGARAPÉ TAMBAI-AÇU AFLUENTE DO RIO CAIRARI QUE DESÁGUA NO RIO MOJU.
(Foto: Aldo Serrão, 2009).
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Apenas essas informações já permitem inferir
aproximadamente mais de um século de existência da Comunidade Quilombola São
Luis de Tambai-Açu, ou seja, a Comunidade formou-se nas últimas décadas do
século XIX. No que diz respeito á formação da comunidade – longe das regiões
ribeirinhas tradicionais, em área considerada de terra firme-, ela se
concretizou através do Igarapé Tambai-Açu (Figura 1), afluente direto do Rio
Cairari. Assim, podemos afirmar que o processo de povoamento do território só
foi possível graças ao caudaloso Rio Cairari e seu afluente, o Igarapé
Tambai-Açu, corredores naturais que permitiram o acesso e o povoamento do
Território e o conseqüente desenvolvimento de vivências culturais que forjaram
Comunidades Tradicionais ao longo de rios e igarapés.
Segundo Cecília Neves Lima:
Luis Eusébio de Souza, era um escravo que
ganhou alforria por ter participado da Guerra do Paraguai, nos informou ainda
que em busca de melhores condições de vida migrou do estado de Piauí, para o
Pará , após uma estada no Município de Mojú,
onde trabalhou nos engenhos de cana de açúcar da região, onde também
tomou conhecimento do rico e abundante território as margens do Rio Cairari,
ocorrendo-lhe a idéia de conhecer o lugar, iniciava-se assim a saga deste
desbravador que foi encontrando pelo caminho outros companheiros e companheiras
que como ele sonhavam com um pedaço de terra para plantarem, criarem, enfim,
viverem com dignidade. (Relato
Histórico, Econômico, Social e Cultural do Quilombo de Tambai-Açu, 2003, p.2).
Luis Eusébio de Souza
e seus companheiros embarcaram como ajudantes em uma embarcação de propriedade
de um dos tantos regatões que navegavam nos rios do Vale do Tocantins comprando
e vendendo mercadorias de porto em
porto. Em um ponto da viagem, onde hoje está assentada a
Comunidade de Novo Vale, onde deságua o Igarapé Tambai-Açu, segundo relato dos
moradores, Luis Eusébio e seus companheiros pularam da embarcação, nadaram até
as margens do Rio Cairari, adentrando pela floresta as margens do Igarapé
Tambai-Açu e fixaram residência em uma localidade por eles batizada de Turão que
fica as margens do Igarapé Tambai-Açu.
Depois
de algum tempo, preocupados com a proximidade da localidade do Rio Cairari, Luis
Eusébio de Souza e seus companheiros decidiram desbravar o Igarapé Tambai-Açu,
avançando igarapé adentro. Chegaram a um lugar abundante em caça e pesca e com
solo propício para a agricultura de subsistência, onde fixaram moradia. Iniciava
assim a história de um promissor e próspero núcleo de povoamento que foi
batizado de Tambai-açu, em homenagem ao Igarapé que banha a Comunidade, hoje,
denominada Comunidade Quilombola São Luis de Tambai-açu.
Um
fato importante a considerar na narrativa dos moradores é que a denominação de Comunidade foi introduzida pela Igreja
Católica, que na época condicionou a realização de sacramentos como Batismo. Nascia,
assim, na década de 1970, por intermédio da Paróquia Imaculada Conceição de
Mocajuba, através de seu Pároco Padre Bernardo, a Comunidade de Base São Luis
de Tambai-Açu. Segundo relato da Dona Cecília que participou de todo o processo
que culminaria com a Fundação da Comunidade, Padre Bernardo deixou a Comunidade
a vontade para escolher o padroeiro, assim, em reunião realizada na residência
do Senhor Agostinho, por decisão dos moradores o Santo escolhido foi São Luis, em
homenagem ao fundador do Núcleo de Povoamento o Senhor Luis Euzébio de Souza.
Nascia
assim, no final dos anos 1940
a Comunidade São Luis de Tambai-Açu. Convém ressaltar,
que a nova denominação não gerou conflito em que pese a denominação de Mocambo
por eles atribuída ao lugar. A ausência de conflito se explica pelo fato da
existência de diversas irmandades
como de Santo Antonio e São Tomé, vivencias religiosas que de certa forma a Igreja
Católica se apropriará para introduzir um novo modelo de catequese nas
Comunidades Tradicionais. É bem verdade também, que a escolha do padroeiro
contribuiu para que o processo ocorresse sem conflitos, pois a escolha
representou a vontade coletiva dos moradores.
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FIGURA 2 – DOCUMENTO DE LOCALIZAÇÃO DA
TITULAÇÃO DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE TAMBAÍ-AÇU NA FRONTEIRA MOCAJUBA-BAIÃO
(Fonte: ITERPA, ANO-2010)
Outro fato importante para a
vida da comunidade foi o processo de titulação das terras (Figura 2), em que
pese, não termos registros de conflitos agrários na comunidade, pois cada
morador conhece e tem reconhecido os limites de sua propriedade, das áreas de
roçado e das áreas coletivas. Entretanto, o fato é que no final dos anos de 1980
os moradores da comunidade viram seu território se encolher em decorrência da
falta de perspectivas econômicas e educacionais para os filhos e a pressão de
latifundiários próximos as terras da comunidade, os dois fatores conjugados
promoveram um forte deslocamento migratório para a cidade de Mocajuba.
É neste cenário, de ameaça
da própria história da comunidade que lideranças da comunidade criaram em 27 de
outubro de 2002, a
ASSOCIAÇÃO DA COMUNIDADE REMANESCENTES DE QUILOMBO DE TAMBAI-AÇU-ACREQTA, e
apoiadas por lideranças de fora da comunidade sensíveis a causa, deflagraram no
final dos anos de 1990 um amplo movimento que culminou com a Titulação das
Terras da Comunidade, no ano de 2010. O território da Comunidade Quilombola São
Luis de Tambai-Açu, incluindo área de uso individual e coletiva de acordo com
Titulo Definitivo da Terra concedido pelo Governo Estado através do Instituto
de Terras do Pará - ITERPA, é de
1.824.7852
ha (Mil, Oitocentos e vinte e quatro hectares, setenta e oito ares e cinqüenta
e dois centiares ). A titulação é um marco importante, pois representa a posse
definitiva do território, e o empoderamento da comunidade na luta em favor da
do modo de vida construído culturalmente através da relação simbiótica
homem/natureza.
FIGURA 3- ENTRADA DO RAMAL SÃO LUIS DE TAMBAÍ-AÇU QUE DÁ
ACESSO A COMUNIDADE QUILOMBOLA SÃO
LUIS DE TAMBAI-AÇU.
(Foto: Aldo Serrão, Ano-2011)
Segundo
o Presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo São Luis de Tambai-Açu,
Senhor Adilson Neves Caldas:
O isolamento geográfico da comunidade
só foi rompido nos anos 80 com a construção do ramal São Luis de 6KM , ligando a comunidade a
vicinal de Tambai, que permitiu o acesso a cidade de Mocajuba distando 18 KM da comunidade, antes do
ramal nos anos 40 o acesso foi viabilizado com a construção de um ramal feito a
facão pelos moradores.
Um fato importante a considerar
relatado pelos moradores é que eles estavam integrados por laços culturais a
uma rede de comunicação e articulações solidárias
com outros quilombos como, por exemplo, o Quilombo de São José do Icatu
localizado no Igarapé Icatu, afluente do Rio Tocantins. Segundo relato dos
moradores foi em um desses encontros precisamente em um baile dançante na
Comunidade de Cantanzal que o Senhor Luis Eusébio conheceu a senhora Benvinda
Caetana das Neves. Foi paixão a primeira vista, do baile mesmo eles tomaram a
decisão de fugir, nascia assim à base da árvore genealógica da Comunidade
Tradicional Quilombola São Luis de Tambai-Açu (Figura 4).
FIGURA 4- ÁRVORE GENEALÓGICA DA FAMÍLIA DO FUNDADOR DA
VILA.
(Fonte: Relato Histórico, Econômico, Social e Cultural do
Quilombo de Tambai-Açu, 2003).
Outro fato muito forte na
memória da comunidade é a relação com o mundo externo estabelecida com um
personagem muito comum nos rios da Amazônia: o regatão. Os regatões anualmente
visitavam a Comunidade para comprar a produção especialmente de arroz cuja produção
ultrapassava toneladas. O transporte da produção era realizado em um casco
grande do porto da Comunidade até o Rio Cairari. O regatão além de comprar a
produção também introduziu na Comunidade novas tecnologias para o preparo do
solo como machado, inchada, serrotão, espingardas para a caça, anzóis e fibras
para a pesca, e para o lazer como o rádio de pilha e a aguardente que era
consumida nos momentos festivos como comemoração da colheita e nos bangüês que
antecediam os trabalhos coletivos.
A chegada do regatão era
sempre aguardada com muita expectativa, pois além das transações comerciais ele
trazia as novidades das cidades próximas à comunidade, bem como, permitiu o desenvolvimento
de relações de mercados alheias as relações de mercado estabelecidas pelos
governos. Maria Menezes, em ensaio sobre os aspectos conceituais do sistema
agrário do Vale do Tocantins (2000), enfatiza que o sistema agrário proposto
pelo governo para o Vale do Tocantins determinado pelo mercantilismo, ignorou
os sistemas de produção das populações tradicionais da Amazônia, isto é, seja
na Amazônia contemporânea ou na Amazônia Colonial, o processo de colonização
reforçou e reforça as zonas de agricultura comercial e da pecuária, a revelia
do manejo sustentado desenvolvido pela população tradicional. Entretanto,
Flávio Gomes (2006) em artigo intitulado “ No labirinto dos rios, furos e
igarapés”: Camponeses negros, memória e pós-emancipação na Amazônia, c. XIX-XX,
enfatiza que apesar de extremamente perseguidos os mocambos do Vale do
Tocantins de forma quase invisível se multiplicaram e resistiram, e nos
legaram os extraordinários saberes dos
povos da floresta.
Enquanto isolados dos centros
urbanos os moradores da Comunidade viviam da agricultura de subsistência, da
caça, e da pesca, ou seja, extraiam da natureza a maioria dos produtos
consumidos na comunidade, esta relação harmoniosa perdurou até final dos anos 1990
quando foi introduzido o cultivo intensivo da pimenta-do-reino. Marco que
produzirá grandes transformações nas relações de produção, sociais, ambientais
e culturais, de acordo com os dados coletados junto aos moradores da Comunidade
que nos ajudam a compreender como foi construído este processo de rupturas com
tradições e modos de vida. Tecidas essas considerações iniciais passamos a análise
das falas dos sujeitos da nossa pesquisa interfaceando saber cientifico e saber
popular.
TRECHO DO TCC DE ALDO SERRÃO E GRAZIELA MAIA, TURMA PEDAGOGIA 2007, UFPA- MOCAJUBA, intitulado DA CULTURA DA FLORESTA A CULTURA DE CONSUMO:
Transformações e resistências na Comunidade Quilombola
São Luis de Tambai-Açu/Mocajuba-Pa. ORIENTAÇÃO: PROF. DR. EDIR AUGUSTO - UFPA - CAMETÁ
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